O que o consumo de conteúdos rápidos está fazendo com nossos filhos (e conosco)
Vivemos uma era em que tudo precisa caber em 15 segundos. Reels, shorts, stories, dancinhas coreografadas, cortes de podcasts, memes e mais memes. E enquanto a gente se diverte, passa o tempo, ri um pouco e compartilha, algo silencioso começa a acontecer: o cérebro dá sinais de esgotamento.
Em 2024, o termo “brain rot” – que pode ser traduzido como “apodrecimento cerebral” – foi eleito pela Universidade de Oxford como a palavra do ano. A expressão descreve um fenômeno que vem se espalhando pelo mundo: o desgaste mental causado pelo excesso de conteúdos curtos e superficiais. Não é exagero. Especialistas têm observado uma escalada nos casos de cansaço mental, perda de foco, dificuldade para tomar decisões simples e, principalmente, uma incapacidade crescente de lidar com atividades que exigem um pouquinho mais de esforço e profundidade.
O vilão não é a tecnologia — é o uso descontrolado dela
É importante dizer: tecnologia não é o problema. O problema é quando ela vira muleta. Quando serve como escape emocional. Quando preenche todos os silêncios. Quando se torna o barulho constante que nos impede de ouvir nossos próprios pensamentos — e, mais grave ainda, os pensamentos dos nossos filhos.
A psicóloga Rafaela Reginato compara o consumo de conteúdo digital ao vício. O estímulo imediato libera prazer — mas passageiro. E como qualquer vício, exige doses cada vez maiores para surtir efeito. Resultado? Crianças inquietas, adolescentes desinteressados, adultos mentalmente exaustos.
O impacto nos pequenos cérebros em formação
Os dados não deixam dúvida: 93% dos jovens entre 9 e 17 anos estão conectados à internet. E quase todos eles usam o celular como porta de entrada. A exposição prolongada a conteúdos rasos não apenas altera o comportamento. Ela afeta o desenvolvimento cerebral de crianças e adolescentes.
Segundo a neuropediatra Madacilina Teixeira, quando o cérebro em formação se habitua a processar informações apenas de forma rápida, ele perde a habilidade de refletir com profundidade. Pensar com calma, analisar uma ideia, desenvolver argumentos — tudo isso se torna penoso, chato, distante. E isso compromete o futuro. Intelectual, emocional e até profissional.
O que nós, pais e mães, podemos (e devemos) fazer?
- Revise o uso de telas em casa. Estabeleça horários. Desligue o Wi-Fi em momentos estratégicos. Reative o “tédio criativo”.
- Seja exemplo. Não adianta pedir para a criança largar o celular se você não larga o seu. As crianças estão sempre nos observando — e imitando.
- Incentive atividades que exigem foco e tempo. Leitura, jogos de tabuleiro, esportes, hobbies manuais. Tudo isso ajuda a reconstruir a capacidade de concentração e paciência.
- Crie espaços de conversa. Pergunte como a criança se sente, o que pensa sobre o que viu, por que gostou ou não de determinado conteúdo. Ensine-a a refletir sobre o que consome.
- Valorize o silêncio. Nem todo tempo precisa ser preenchido com estímulo. Silêncio é solo fértil para a imaginação e o autoconhecimento.
E as escolas?
A discussão chegou também às salas de aula. Um projeto de lei aprovado pelo Senado e pela Câmara prevê a proibição do uso de celulares por alunos durante o horário escolar, com exceções pedagógicas ou de acessibilidade. É uma medida controversa? Talvez. Mas é também uma tentativa de frear a maré. De resgatar a capacidade de estar presente, de aprender com profundidade, de conviver com os colegas sem intermediação de telas.
A restrição, segundo especialistas, não é um castigo. É um cuidado. Um investimento no futuro de nossos filhos — o futuro que começa agora, no presente que a gente constrói junto com eles.